Tributo a Jorge Wilheim

fonte da ilustração: www.jorgewilheim.com.br

Ao longo de minha carreira profissional, tenho tido a felicidade de trabalhar com algumas pessoas muito especiais cuja convivência representa, ou representou, uma inesquecível oportunidade de aprendizagem.

Uma dessas figuras foi Jorge Wilheim, arquiteto e urbanista, falecido sexta-feira dia 14 de fevereiro, com o qual tive a honra de trabalhar diretamente por cerca de quatro anos, na EMPLASA, no início da última década do século passado.

Procurei, nesse período, como habitualmente faço com as pessoas que entendo serem referências importantes, absorver todo o conhecimento tácito que uma oportunidade dessas proporciona.

Durante nossa convivência profissional, observei no comportamento dele algumas características que marcaram bastante minha vida profissional e pessoal. Algumas delas, gostaria de compartilhar nesta postagem.

Respeito
Embora exigente como poucos, não me lembro de ter visto Jorge Wilheim berrar, dar murros na mesa ou destratar qualquer um de seus colaboradores, independente da hierarquia que marcava essa relação. Sua liderança era oriunda de seu notório saber e se expressava por uma visão humanista de mundo.

Discrição
Jorge tinha aversão à fofoca. Pessoas que cultivavam o péssimo hábito de falar mal de colegas eram gradualmente excluídas de seu círculo de colaboradores mais diretos por absoluta incompatibilidade de gostos.

Planejamento
O planejamento era um valor e um método intrínsecos a Jorge Wilheim.  As atividades, tarefas e produtos mais importantes que estabelecia para sua gestão, estavam contemplados em um plano de trabalho que servia de fio condutor para todas as reuniões de trabalho que realizava. Para não engessar o processo, se algum fator conjuntural alterasse o panorama traçado, ele era inserido no quadro, sem, no entanto, prejudicar a visão compreensiva do fenômeno, que ele considerava inegociável.

Estratégia
Jorge Wilheim me fez compreender o valor da estratégia. Aprendi que sem ela, quaisquer medidas, por mais bem intencionadas que sejam, tendem a apequenar-se ou mesmo a desaparecer com o passar do tempo. Sobre esta questão me lembro de sua predileção pela frase de Sêneca: “Não há bons ventos para quem não sabe aonde quer chegar”.


Gestão de Reuniões
Para quem pena com reuniões improdutivas, as comandadas por Jorge Wilheim eram um alívio. Começavam e acabavam na hora determinada, tinham pauta e davam origem a tarefas bem definidas que seriam cobradas na data acertada. A concisão nos relatos era obrigatória. Quem gostava de ouvir a própria voz era incentivado a cantar em outra freguesia.

Veja Bem
Nunca recebi uma tarefa de Jorge Wilheim que fosse para ontem. Os prazos que me eram dados estavam sempre em sintonia com o esforço necessário para realizá-la de forma bem feita, sem sufoco. Esse jeito de trabalhar acentuou-me a autodisciplina e o senso de responsabilidade.  Por outro lado, aprendi também, pelo sucedido com colegas meus, que, se na data marcada, o produto solicitado fosse substituído por um amontoado de desculpas, sua história de trabalho com ele estava discretamente encerrada.

Favor não fumar
Em uma época em que, por mais absurdo que possa parecer nos dias de hoje, era comum eu sair de reuniões de trabalho com dor de cabeça e com a roupa impregnada pela fumaça dos cigarros alheios, foi com grande satisfação que percebi, na primeira reunião comandada por Jorge Wilheim, a presença de um cartaz com os dizeres “Favor Não Fumar”.  Nas reuniões mais longas, havia intervalos de aproximadamente 15 minutos para que os fumantes pudessem exercer seu direito, sem violentar o alheio. Pasmem, mas muitos não gostaram.

Atração pelo Novo
O novo exercia um grande fascínio sobre Jorge Wilheim. Ao contrário de muitas das chefias com as quais tive a oportunidade de trabalhar, ele já incentivava, naquela época, o uso de novas tecnologias sempre amarrando-as à possibilidade de realizar novos produtos e serviços. Certa vez, pediu-me que especificasse para ele um laptop, uma impressora portátil e alguns programas que pretendia comprar em uma próxima viagem, dizendo que tais recursos iriam revolucionar os escritórios de arquitetura.

Emoção
Jorge Wilheim era normalmente econômico e contido em suas palavras. Por vezes, no entanto, uma palavra solta e despretensiosa mencionada durante um despacho parecia fazer uma ligação direta com sua alma. Nesses casos, ele pedia à sua secretaria que só o interrompesse em caso de urgência, abrindo espaço para uma conversa mais solta e emotiva. Lembro-me, em especial, de três narrativas que me marcaram muito: a história da chegada de sua família à América do Sul, fugindo das atrocidades impostas aos judeus na Europa nazista e fascista dos anos 30 e 40 do século XX; o encantamento e prazer que lhe propiciavam as grandes praças europeias, em particular a Praça Bra de Verona e, por fim, a recomendação, sabedor que eu estaria viajando pela região, para que visitasse a impressionante Capela do Rosário projetada por Matisse em Vence, na França. Valeu a pena.

Lamento que essas conversas não tenham sido em maior número e, mais ainda, que não mais possam ocorrer.


A ele minha saudade e admiração.

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